Francisco Zurbarán (c. 1629)
Ao contemplar algumas obras de Zurbarán a minha imaginação voa para a Espanha tenebrosa dos esbirros da Inquisição. A penumbra e os hábitos sinistros dos monges retratados fazem com que sintamos a proximidade de um Torquemada e um inexplicável fascínio mórbido pela reminiscência lúgubre desta época. Zurbarán ficou conhecido como «pintor de frades» porque retratava os monges do seu tempo em todos os aspectos das suas vidas práticas e espirituais. Tornou-se o pintor modelo da austera religiosidade espanhola. Demonstrou uma perícia extraordinária na criação de efeitos de luz e sombra e na evocação do sentimento religioso. Além do espiritualismo, são também famosas as suas naturezas mortas que revelam uma forte concentração nos pormenores. Com a ascensão de Murillo, a fama de Zurbarán apaga-se e acaba nos últimos anos pobre e quase esquecido. No Fúneral de S. Boaventura os actores humanos do drama estão inundados de luz no meio de uma profunda escuridão. Vestido com as vestes brancas brilhantes de um bispo, segurando a cruz nas mãos dobradas, o corpo do santo jaz no ataúde coberto de um sumptuoso brocado, com a mitra vermelha de cardeal aos seus pés. O Papa Gregório X, que o tinha nomeado cardeal-bispo de Albano em 1273, está de pé, com a sua barba branca, ao lado do rei, a quem parece estar a explicar os méritos do homem morto. A maioria das pessoas, no entanto, são simples monges franciscanos com os seus hábitos castanhos acinzentados rezando pensativamente ou contemplando meditativamente o homem morto. Zurbarán pinta o santo com a sua face cheia de desejo místico mesmo na morte.
No funeral de João Paulo II veio-me à mente muitas vezes esta imagem.
No funeral de João Paulo II veio-me à mente muitas vezes esta imagem.
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