terça-feira, janeiro 27, 2004

Fascínio mórbido


Estava eu no Domingo a ver a liturgia habitual do professor Marcelo, quando, já no estertor final do programa, o jornalista interrompe o Professor para anunciar que algo de grave tinha acontecido a um jogador do Benfica, cujo nome “Fehér” não me dizia rigorosamente nada, pois normalmente não acompanho o futebol.
Não tendo acompanhado mais qualquer informação nesse dia, deitei-me apenas com esse facto. De manhã, acordei com a notícia que o jogador do Benfica tinha falecido. Liguei a televisão para assistir a imagens do sucedido. Esta não me decepcionou, no jornal da manhã, passou várias vezes os últimos momentos do jogador.
Confesso que estas imagens me provocaram bastante comoção. Apesar de desconhecer em absoluto o jogador, impressionou-me a sua figura, a sua juventude e a sua aparente bonomia e simpatia desaparecer quase instantaneamente, por obra e graça sabe-se lá do quê.
Considerei normal que esse fosse o assunto do dia.
Porém, já estranhei o directo de pelo menos duas estações televisivas que mantiveram no ar a emissão durante horas à espera que o corpo chegasse de Guimarães a Lisboa.
Hoje fiquei aterrado quando quase às 14:30, no Jornal da Uma da RTP, depois de uma hora e meia de emissão, ainda não se tinha mudado de assunto, como se mais mundo não existisse, nem mais houvesse para noticiar!? E à custa de quê se mantinha a emissão: saber que as equipas do Boavista, do Belenenses, Vitória de Setubal, etc, tinham passado pela câmara ardente, que a fila de pessoas atingia duzentos e tal metros..., o Presidente do Sporting tinha abraçado o Presidente do Benfica, que este último tinha prometido que mais ninguém iria usar o mesmo número da camisola do jogador, etc, etc... Ou seja, notícias de coisa nenhuma!
Apenas se procura alimentar até à náusea uma dor colectiva, explorando, como vem sendo habitual, o gosto pela morbidez do nosso povinho.

Aonde pára o bom-senso mais elementar?

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